Thursday, September 07, 2006

Memórias de uma gueixa

By Raquel

Quem foi que disse que hoje em dia não tem mais gueixa andando pelas ruas do Japão? Tem sim, inclusive gueixa fajuta! Estas fotos aí são uma recordação do dia em que me vesti de geisha-san e tive uma aula-relâmpago de como andar, sorrir e até abrir uma porta com a graciosidade que os kyaku-san (clientes) merecem. Foi na cidade de Ito, um balneário na província de Shizuoka, a menos de uma hora de Tokyo (de trem-bala).

Fiquei parecendo uma assombração de filme de terror japonês, mas os meus amigos (é para isso que servem os amigos...) foram unânimes ao ver as fotos: “Que liiiiinda!” Bem, podia até ficar linda desde que sorrisse de boca fechada. É que a maquiagem branquíssima cria um contraste tremendo com os dentes e deixa o sorriso literalmente amarelo. Deve ser por isso que as gueixas sempre colocam a mão na frente da boca quando riem. O branco do olho também amarela, mas quem vai notar isso naqueles olhos pequenininhos?

Fui a Ito a trabalho, junto com outros três jornalistas estrangeiros (duas americanas e um holandês). Era novembro do ano passado, o filme Memórias de uma Gueixa estava para estrear no Japão, e as prefeituras de Ito e da vizinha Atami se uniram para promover as gueixas da região – que segundo eles são em maior número do que em Kyoto. Chamaram, então, a imprensa estrangeira. E chamaram a NHK, a maior rede de TV do Japão ...


Sim, enquanto eu e uma das americanas éramos transformadas em gueixa apareceu uma equipe da tevê pública japonesa para fazer a cobertura da nossa cobertura. Eles colaram na gente durante dois dias – às vezes era constrangedor – e virei personagem principal de uma reportagem que foi ao ar no país inteiro. De vez enquando ainda sou reconhecida, acreditam? Já aconteceu de eu ser apresentada a um japonês e ouvir: “Eu já te vi na televisão vestida de geisha-san!”

Mais legal do que vestir de gueixa e ficar famosa foi poder conversar com gueixas de verdade, ser entretida por elas em um banquete e assisti-las dançar em uma apresentação pública. Na minha cabeça, essas profissionais eram sempre muito jovens e belas. Pode até ser assim lá na glamourosa Kyoto. Em Ito e Atami elas já são maduras, e não exatamente bonitas. A caçula das sete com quem conversei, Hotaru, tem 36 anos, mas para os clientes mente que tem 28. A mais velha, Matsuchiyo, negou-se a dizer a idade -- “Gueixa não tem idade”, desconversou -- mas aparentava uns 60. Quando perguntei se gueixa se aposenta ela respondeu: “Só se quiser, conheço uma de 96 anos.”

Perguntei se alguma delas tinha lido o livro Memórias de uma Gueixa (nenhuma leu) e o que achavam de o filme ser estrelado por uma atriz chinesa. A gueixa Makifuku respondeu por todas: elas não estavam nem aí. “É um filme de Hollywood. Se você perguntar para um americano qual é o mais famoso ator japonês eles vão dizer que é o Jack Chan”, debochou.

Deu vontade de ficar horas conversando, porque elas têm um ótimo papo. Aliás este talento é um pré-requisito para entrar na profissão. Outro é a disciplina. Apesar de terem ficado muito mal faladas, as gueixas são artistas. Precisam ser virtuoses em instrumentos tradicionais japoneses (como shamisen e koto), dançar com perfeição e ainda saber dar um chega pra lá em clientes abusados sem descer do guetá.


Saí de lá me perguntando se a única alternativa de sobrevivência para essa instituição japonesa será virar atração turística. Como vão competir com tantas outras alternativas de diversão mais baratas e atrativas? Imagino que a maioria dos jovens japoneses nunca nem viu uma gueixa de perto. E pior que já tem gente vendo uma serventia nada tradicional para as gueixas. Que o diga a gueixa Makifuku. Certa noite, ela foi contratada por um jovem casal, que deixou os dois filhos pequenos com ela e saíram para curtir a noite. “Tivemos um pequeno banquete e servi suco de laranja a eles”, lembrou ela, rindo de seu dia de babá.

13 Comments:

At 5:04 PM, Blogger Ewerthon Tobace said...

Gente! Ta otimo o texto!
Rachell, tenho de concordar que as gueixas tem um aspecto fantasmagorico! Ja vi algumas de perto, em Kyoto, mas nunca conversei com uma. Deu uma invejinha (da boa, nao se preocupe). Ah, e nao inveja de ter se vestido de gueixa nao! Inveja de ter conversado, entrevistado e ser paparicado por uma gueixa!
Parabens!

 
At 7:31 PM, Blogger Karina Almeida said...

urayamashii (que inveja - do bem, claro!).

mas certamente eu ia ficar um desastre de gueixa! como imagino que a tal americana tenha ficado...

gueixa tem que ser pequenininha, delicadinha e melhor ainda com olho apertadinho. sem chance : (

 
At 2:24 AM, Anonymous Anonymous said...

Galera, viram como a Quelzinha ficou linda de gueixa? ela é linda de qualquer jeito, não é porque é minha irmã não, mas ela perfeita....Bjos quelzinha....

 
At 9:57 AM, Blogger Paulo said...

Tinha adorado esse texto quando o li pela primeira vez no Meu Japão é assim e foi ótimo ter o repeteco.
Dar um chega pra lá em clientes abusados sem descer do guetá foi hilário!
Um dia como gueixa deve ter sido uma experiência incrível!

 
At 10:09 AM, Anonymous Anonymous said...

Que legal! Quando vai passar no Brasil? Qual o nome do programa?Aqui em casa vemos NHK direto (é sério). Beijos pra você e um salve pro Emerson-san.

 
At 10:11 PM, Anonymous Anonymous said...

Raquel muito querida,

história muito interessante, delícia de texto! Olha, é claro que você tem
que publicar aqui, numa revista de papel.

Beijo
Humberto

 
At 10:43 AM, Anonymous Anonymous said...

Ah danadinha! Não sabia que minha irmã estava famosa no Japão! Que
legal! Devia ter passado aqui no Fantástico... rsrsrsrs!

 
At 8:01 AM, Anonymous Anonymous said...

Para todos: vocês são muito fofos. Desse jeito eu vou até gostar desse negócio de ser blogueira. Apesar do trabalho que dá...

Para Para o alto e avante e Karina: diz o Zuenir Ventura que inveja boa não existe! Mas eu não sei se concordo com ele, não...

Para Rolem e Rangel: êta corujice! Finalmente vocês entraram no blog do cunhado. Voltem sempre!

Para Paulo: você e esse seu talento maravilhoso de reparar nos detalhes... Obrigada!

Para Carril e Elaine: geeente que chique receber a visita de vocês. Aqui no Japão a reportagem passou em dezembro de 2005. Talvez a NHK Internacional tenha exibido também. Mas não sei. Voltem sempre!

Para Humberto: geeente, mas eu tou muito chique mesmo. Obrigada pela sua ilustríssima visita. Fiquei metida de doer. Sempre que tiver um tempinho dá uma passada aqui neste humilde blog.

Beijos

 
At 12:35 AM, Blogger Jadyr Pavão Júnior said...

Rakeru!

o blog ficou bem mais "bonito" agora!

Adorei sua aventura como gueixa. Queria saber mais sobre as donzelas. Vc não quer nos contar?

Beijocas

 
At 8:40 AM, Anonymous Anonymous said...

Para Goretti: que delícia ter visita sua! Ainda estou me adaptando com esse negócio de administrar blog. Mas você me deu um incentivo e tanto pra continuar!

Beijos saudosos

Para Jadyr: Também gostaria muito de saber mais sobre elas. O tempo que passei com elas foi curto para tantas perguntas. Ainda quero pode passar um dia inteiro, ou dois, conversando com elas.

Beijo

 
At 7:57 AM, Anonymous Anonymous said...

Oi Raquel!

Adorei o texto e o melhor: você de gueixa ... fantástico! Seria ótimo vê-la na tv por aqui também!!

Um forte abraço,

Debora

 
At 7:37 AM, Anonymous Anonymous said...

Raquelzinha,

Fico tímida de comentário aparecendo assim sem ser pop-up. :)
Que texto gostoso de ler. Te mandei um email agorinha; vamos combinar algo.

Um beijo,
Gabi

 
At 7:04 AM, Blogger Unknown said...

Oi, Raquel, tudo bem?
Será que você ainda acessa esses comentários? Se acessar, por favor me escreva: bruna.paixao arroba gmail com
Eu também sou jornalista, e também estou fazendo uma matéria sobre gueixas... Só que no Brasil! Uma tarefa árdua.
Por favor, se puder, me escreva.
Obrigada! bjs

 

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